domingo, 13 de novembro de 2011

Qual sua importância?


Entrevista com Rosângela Cristina, moradora de Barra do Garças/MT, cidade próxima da fronteira entre os estados de Mato Grosso e Goiás, situada às margens do Rio Araguaia.

Blog Pequibrasil: Rosângela, gostaria que você escrevesse qual é a expectativa do pessoal aí pela chegada do tempo do pequi.

Pensamos em pequi quando começam as primeiras chuvas. Geralmente, a partir de setembro. O certo mesmo é coletar apenas os frutos que já estão no chão. Jamais arrancá-los da árvores ou cutucar com varas para que caiam. Então, quando o pequi surge, sabemos que estamos na primavera, que o final do ano está se aproximando e que mais um Natal está chegando com aquela aroma característico no ar. Estou poetizando um pouco, é claro. Há quem simplesmente não suporte o cheiro, quem prefira ficar bem longe do alimento, quem fique até de mau humor. No geral, uma boa maioria sabe que é o momento de aumentar um pouco da renda familiar (infelizmente, há quem pratique a exploração também) e espera com ansiedade esse jeito peculiar de se arranjar um décimo terceiro salário extra.

Blog Pequibrasil: Pode-se dizer que o pequi está relacionado com a identidade do povo daí?

Eu não sei lhe responder se o pequi está diretamente relacionado com a identidade dos barragarcenses. Somos um município de fronteira, mais goianos do que matogrossenses. A influência de Goiás é imensa, em quase todos os nossos aspectos culturais. Refletindo sobre sua pergunta, nem sei se temos uma identidade própria matogrossense (exagerei um pouquinho, claro). Na verdade, o pequi faz parte da cultura de nossa Capital (Cuiabá), especialmente da culinária específica cuiabana. Contudo, a Capital do Pequi para nós é Goiânia (Goiás). Assim, a identificação que temos com esse fruto vem da parte de Goiás. A maioria dos frutos que são comercializados aqui provêm desse Estado (e alguns nos chegam de Minas Gerais). Dá para entender, então, que o pessoal sabe onde vender o pequi. O arroz com pequi e guariroba (eu tinha me esquecido dessa mistura) é de influência goiana e por aí vai. É um fruto de nosso cerrado (do pouco cerrado que ainda temos). Ainda se pode catar frutos nos pequizeiros existentes na região da serra. Nesta época do ano, a cidade é o puro pequi, de diversos tamanhos e formas. E com o aroma característico de sempre... Porém, apesar disso, acho que não temos a foto do pequi estampada em nossas faces durante o ano todo. Só nesta época.

Blog Pequibrasil: O pequi pode ser considerado um produto para industrialização?

Sim, o pequi pode ser um produto considerado para industrialização, entendendo que dele se aproveita praticamente tudo. Faz-se conservas, aproveita-se o óleo, a castanha. De alimentação a produtos cosméticos, ração animal, tinturas e corantes. Em nossa região não há industrialização desse fruto, o que há é uma forma extrativista de cultivo e coleta. O mais comum aqui em Barra do Garças e adjacências é consumir o fruto in natura que, geralmente, é vendido nas esquinas das ruas, em algumas pequenas mercearias, nas feiras locais e até na beira de estradas. Valcy, meu marido, me informou que existe uma "vigilância sanitária" (incipiente) no sentido de que haja sempre um mínimo de higienização durante essas vendas e alguns outros cuidados durante a comercialização do produto. Uma espécie de termo de ajuste de conduta entre quem vende e a vigilância municipal de saúde. De qualquer forma, quem leva o produto para casa, sabe que tem de fazer uma boa higienização antes de consumi-lo. Como acontece com qualquer outro alimento que compramos expostos em feiras. Penso que, para nós aqui da região, é tão comum comer pequi, como quem cata uma laranja do pé e simplesmente chupa, que não ligamos ainda para as minúcias todas de vigilância sanitária. De qualquer forma, como só encontramos o pequi nesta época do ano, as conservas vendidas nos supermercados (e estas já são industrializadas e, geralmente, chegam de Goiás) são um jeito de saborearmos o fruto em outros meses. Mas, o gostoso mesmo é saborear uma bom almoço de Natal com aquele arroz ou frango regados a alguns caroços de pequi.

Blog Pequibrasil: O que significa o pequi para o povo do cerrado?

Realmente, o que sei do pequi para o povo do cerrado é apenas o que costumo consumir em minha residência. Como eu já lhe respondi nas perguntas posteriores a esta, desconheço um trabalho mais industrializado na região com o pequi. Sei tão somente dos frutos comercializados em feiras e ruas e da sorveteria que trabalha especialmente com sabores do cerrado. Penso que a importância do pequi para toda nossa região goiano-matogrossense é o fato de que enquanto tivermos pequi significa que ainda temos uma parte preciosa do nosso cerrado. Ainda que haja pequenas (ou até grandes) plantações, para que se garanta a comercialização dos frutos nesta época, vale pensar, então, que nem tudo já virou pasto para boi ou verde de plantação de soja. Tenho sempre a sensação de que em Goiás, lugar onde as cidadezinhas ocorrem uma após a outra, o pequi tem mais identidade com o povo. É chamado de carne dos pobres e ouro do cerrado, mas por enquanto, ainda é mais uma árvore que pode ser queimada e derrubada a qualquer instante para a exploração agropecuária. Conheço, via internet, alguns projetos e estudos sobre o pequi, até para inclusão na alimentação escolar de nossa região. Projetos de reflorestamento com pequizeiros. Parece-me que há estudos até na Universidade de Brasília sobre possíveis efeitos terapêuticos do fruto na cura de câncer... Sabe aquela história que, de repente, temos de salvar uma espécie?!? Meus conhecimentos param aí, por enquanto. Para mim, o significado desse fruto é quase como o significado do doce de manga (que eu amo). Tem gosto de infância, de liberdade, coisa boa... Olha só, acabei de saber que há uma fazenda em Canarana-MT (aproximadamente cinco mil pés), que já trabalha com um pequi sem espinhos e que há outras pesquisas sendo feitas sobre o fruto. E que já há outros municípios de nossa região matogrossense que também estão investindo nas plantações e no cultivo do pequi. Quanto à Serra Azul, como ela é área de Parque Estadual, os pequizeiros dessa área estão protegidos e garantindo a perpetuação da espécie. Isso é bom, ajuda a manter nossas cachoeiras em dia. E a vegetação também.

Blog Pequibrasil: Existem outras formas de se saborear o pequi além do tradicional “Arroz com pequi”?

Eu não sou a melhor cozinheira da região para lhe falar de múltiplas iguarias feitas com pequi. Mas sei que há muita coisa gostosa que pode ser feita com ele. Aqui na cidade, temos uma sorveteria que trabalha com sabores típicos do cerrado. Picolés e sorvetes. Claro que o pequi entra. Porém, de novo, vem de Goiás. Não é feito aqui. Em nossa culinária local, o famoso mesmo fica por conta do arroz com pequi, o frango caipira com pequi, a pequizada (frutos cozidos em água e sal) ou a utilização da polpa do pequi como tempero em carnes e outros alimentos. Eu mesma amo preparar um franguinho ensopado com quiabo e acrescentar um pouquinho de pequi (ou alguns caroços) só para dar aquele gostinho especial. Mas, na região de chácaras e fazendas, o pessoal gosta de saborear um licorzinho, comê-lo com açúcar, preparar como doce (eu não sei fazer e nem sei como fica... minha idéia é o pequi salgado e não doce). E há quem faça curtir uns caroços dentro de uma cachacinha que é para dar aquela força afrosidíaca nos relacionamentos amorosos (só duas colherinhas por dia, viu!).

Rosângela Cristina é professora, pedagoga e trabalha na Secretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso.

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